segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Conto: o Silêncio da Escuridão



Noite. Sólida noite, quente, abafada.Céu negro sem estrelas nem lua.Em meio ‘a treva absoluta, Mitthu encontrava-se sentado, cotovelos apoiados nas pernas, cabeça baixa.O soldado que enfrentara tantas batalhas e tinha se cansado de ver tanto sangue, que não conseguia se acostumar ao ribombar dos canhões, agora podia sentir chegar aos seus ouvidos sensíveis o mais absoluto silêncio.
Nem  ele sabia, mas em meio as pradarias onde estava, nem mesmo insetos matraqueavam.O ar estava absolutamente parado.
Para ele o mundo parecia que tinha parado, assim como o tempo, que não passava mais.
Deitou-se ele em meio ‘a relva macia e cruzou os braços atrás da cabeça.
Tudo estava imóvel , menos os seus pensamentos.
Gostava de ficar assim, pois quando tinha uma oportunidade de permanecer assim, não só parecia eterno, mas tinha oportunidade de fazer algo que muito lhe satisfazia: sonhar acordado.
Nada ali havia para interferir em seus pensamentos ou invadir seu mundo de sonhos e fantasias, e nestas horas , o menor barulho poderia irrita-lo.
Mas não desta vez.
Sentia uma sensação de paz absoluta, um que de felicidade melancólica, um fio de esperança vaga, que o fazia sentir que , afinal de contas ,valia a pena viver!

Mas uma angustia o atormentava: seus pensamentos eram fugidios, seus sonhos eram fugazes,e um invadia o outro, não completava nenhum, ficava ansioso para terminar um logo para que pudesse iniciar outro sonho,mas então se debatia, pois sentia ao mesmo tempo saudades do sonho antigo.
Ficava a refletir, tentando imaginar , se um sonho pudesse sonhar, com o que sonharia?
Então veio –lhe uma sensação profunda e exasperante.Uma melancolia, uma tristeza profunda que ele não sabia de onde vinha...
Vieram-lhe a mente de velhos sonhos abandonados, mortos, sendo enterrados e ele sentia na consciência a dor deles, da extinção, do esquecimento, e começava a se indagar afinal de contas, o que e´a passagem do Tempo, o que e´ser efêmero e o que e´ser perene, e o porquê.
Qual a natureza da Eternidade? Ser eterno e´estar morto, ou estar morto e´ ter sido fugaz?O que e´, e porque existe Memória?
Memórias para ele pareciam fantasmas, mortos vivos que existiam para trazer sofrimento.A crueldade da Memória para ele consistia de que os bons momentos congelados no tempo, épocas de alegria e felicidade, eram tratadas pela Memória com o mesmo descaso que os maus momentos, todos pareciam envoltos em uma espessa camada de poeira, terem ficado para trás , e não voltariam mais, trazendo sofrimento justamente por terem sido perdidos na estrada infinita do tempo, e as más lembranças por sua vez, por si só já traziam dor e agonia, e são desagradáveis de serem lembradas, mas a mente humana, eis que pois assim  tão intrigante, insiste em trazê-las a tona com mais  freqüência e vivacidade, mais intensidade!
E Mitthu não sabia dizer a si mesmo o porque...
As velhas e boas lembranças pareciam fantasmagóricas, mortas vivas, coloridas de sépia,paradas no tempo, e as saudades que elas carregam consigo tornam os olhos rasos de lagrimas, a vontade de poder voltar no tempo e viver tudo aquilo de novo e´tao grande, tão desesperadora, tão enlouquecedora, que se torna quase insuportável, insustentável que e´ o peso, a pressão  da impossibilidade de retornar a elas novamente!
E´ como deixar um parente  numa estação de trem e se despedir dele, sabendo que ele nunca mais voltará, mas o fantasma dele permanece na estação, junto com o fantasma do trem que o levou,e que exista uma barreira invisível de dimensões, onde fantasma e a pessoa que se lembra não podem, mas querem , se tocar. Pode-se sentir a vontade imensa de ambos de se reencontrar pessoalmente, ao vivo, outra vez, mas não se consegue...
Saudades, sofrimento, frustração, decepção, desencanto,desilusão, a quebra da esperança e´ainda mais cruel, a morte de um sonho e´o pior dos dramas, o inferno da mente já tão maltratada...
Mitthu agora estava em choro convulso, e tais pensamentos não lhe saiam da cabeça.Queria ele poder guardar todos os seus sonhos e cuidar bem deles, e não deixa-los morrer nunca, conserva-los por toda a sua própria existência!
No silêncio da escuridão que agora se esvaia, a medida que o sol nascia e a luz, a intensa luz da vida novamente preenchia as campinas, e os sons dos animais retornavam céleres,ele jurou a si mesmo jamais deixar um sonho morrer novamente...

FIM

Cristiano Camargo


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