Noite.
Sólida noite, quente, abafada.Céu negro sem estrelas nem lua.Em meio ‘a treva
absoluta, Mitthu encontrava-se sentado, cotovelos apoiados nas pernas, cabeça
baixa.O soldado que enfrentara tantas batalhas e tinha se cansado de ver tanto
sangue, que não conseguia se acostumar ao ribombar dos canhões, agora podia
sentir chegar aos seus ouvidos sensíveis o mais absoluto silêncio.
Nem ele sabia, mas em meio as pradarias onde estava, nem mesmo insetos
matraqueavam.O ar estava absolutamente parado.
Para
ele o mundo parecia que tinha parado, assim como o tempo, que não passava mais.
Deitou-se
ele em meio ‘a relva macia e cruzou os braços atrás da cabeça.
Tudo
estava imóvel , menos os seus pensamentos.
Gostava
de ficar assim, pois quando tinha uma oportunidade de permanecer assim, não
só parecia eterno, mas tinha oportunidade de fazer algo que muito lhe
satisfazia: sonhar acordado.
Nada
ali havia para interferir em seus pensamentos ou invadir seu mundo de sonhos e
fantasias, e nestas horas , o menor barulho poderia irrita-lo.
Mas
não desta vez.
Sentia
uma sensação de paz absoluta, um que de felicidade melancólica, um fio de
esperança vaga, que o fazia sentir que , afinal de contas ,valia a pena viver!
Mas
uma angustia o atormentava: seus pensamentos eram fugidios, seus sonhos eram
fugazes,e um invadia o outro, não completava nenhum, ficava ansioso para
terminar um logo para que pudesse iniciar outro sonho,mas então se debatia,
pois sentia ao mesmo tempo saudades do sonho antigo.
Ficava
a refletir, tentando imaginar , se um sonho pudesse sonhar, com o que sonharia?
Então
veio –lhe uma sensação profunda e exasperante.Uma melancolia, uma tristeza
profunda que ele não sabia de onde vinha...
Vieram-lhe
a mente de velhos sonhos abandonados, mortos, sendo enterrados e ele sentia na
consciência a dor deles, da extinção, do esquecimento, e começava a se indagar
afinal de contas, o que e´a passagem do Tempo, o que e´ser efêmero e o que
e´ser perene, e o porquê.
Qual
a natureza da Eternidade? Ser eterno e´estar morto, ou estar morto e´ ter sido
fugaz?O que e´, e porque existe Memória?
Memórias
para ele pareciam fantasmas, mortos vivos que existiam para trazer sofrimento.A
crueldade da Memória para ele consistia de que os bons momentos congelados no
tempo, épocas de alegria e felicidade, eram tratadas pela Memória com o mesmo
descaso que os maus momentos, todos pareciam envoltos em uma espessa camada de
poeira, terem ficado para trás , e não voltariam mais, trazendo
sofrimento justamente por terem sido perdidos na estrada infinita do tempo, e
as más lembranças por sua vez, por si só já traziam dor e agonia, e são
desagradáveis de serem lembradas, mas a mente humana, eis que pois assim tão intrigante, insiste em trazê-las a tona
com mais freqüência e vivacidade, mais
intensidade!
E
Mitthu não sabia dizer a si mesmo o porque...
As
velhas e boas lembranças pareciam fantasmagóricas, mortas vivas, coloridas de
sépia,paradas no tempo, e as saudades que elas carregam consigo tornam
os olhos rasos de lagrimas, a vontade de poder voltar no tempo e viver tudo
aquilo de novo e´tao grande, tão desesperadora, tão enlouquecedora, que se
torna quase insuportável, insustentável que e´ o peso, a pressão da impossibilidade de retornar a elas
novamente!
E´
como deixar um parente numa estação de
trem e se despedir dele, sabendo que ele nunca mais voltará, mas o fantasma
dele permanece na estação, junto com o fantasma do trem que o levou,e que
exista uma barreira invisível de dimensões, onde fantasma e a pessoa que se
lembra não podem, mas querem , se tocar. Pode-se sentir a vontade imensa de
ambos de se reencontrar pessoalmente, ao vivo, outra vez, mas não se consegue...
Saudades,
sofrimento, frustração, decepção, desencanto,desilusão, a quebra da esperança
e´ainda mais cruel, a morte de um sonho e´o pior dos dramas, o inferno da mente
já tão maltratada...
Mitthu
agora estava em choro convulso, e tais pensamentos não lhe saiam da
cabeça.Queria ele poder guardar todos os seus sonhos e cuidar bem deles, e não
deixa-los morrer nunca, conserva-los por toda a sua própria existência!
No
silêncio da escuridão que agora se esvaia, a medida que o sol nascia e a luz, a
intensa luz da vida novamente preenchia as campinas, e os sons dos animais
retornavam céleres,ele jurou a si mesmo jamais deixar um sonho morrer
novamente...
FIM
Cristiano Camargo
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