Ayumi
estava ali, estatelada no chão,semiconsciente, com as costas viradas para cima.Não sabia se dormia, sonhava ou o
que via era real.
Ali,
no meio da rua, um, dois, três, quatro, e dali há pouco uma multidão de corvos
começou a se refastelar em seu corpo.Ela sentia as bicadas, e os nacos de sua
carne sendo arrancados de si,sabia que estava sendo devorada ainda viva, mas
ela já tinha se decidido a se entregar de vez para a morte.Não queria mais viver.Os
bicos entravam pelas feridas abertas e as alargavam e aprofundavam e agora eram
dezenas, centenas de bicos famintos.Ela, no entanto, mal sentia, enquanto ia
sendo lentamente consumida.Não chorava mais.Parecia não mais sentir dor.Então
ouviu latidos , e a revoada dos corvos.
Agora
eram bocas ferozes, com dentes afiados, que devoravam sua carne.
Um
dois, três, quatro, meia dúzia de cães vadios arrancavam verdadeiros bifes de
suas pernas, braços,nádegas, costas.
Ela
não esboçava reação.Seus olhos vidrados e sem expressão não se defendiam, ou
melhor, um deles, pois o outro já estava destruído.
Os
cães a disputavam entre si, e na briga, acabaram virando-a com o ventre para
cima.
De
seus braços já apareciam, brancos e brilhantes, seus ossos.Enormes nacos de
carne e gordura lhe eram arrancados das coxas e panturrilha.O sangue vertia em
profusão.
Uma
boca abocanhou-lhe um dos seios, e o arrancou inteiro, em meio a esguichos de
sangue.O cão o mastigou um pouco e o engoliu inteiro.Depois arrancou o outro e
comeu.Ela então sentiu que os cães começavam 'a se alimentar de seus intestinos
e outros orgãos, pois sentira que seu ventre fora aberto de vez e seus orgãos
caíram na rua, para fora da cavidade abdominal,e estavam sendo devorados
céleremente.Ela estava em meio à um lago de sangue.Por fim, o sangue que sobrou
era pouco demais para circular pelo que restava do corpo, já que braços e
pernas, e até os músculos que compunham a vagina já tinham sido inteiramente
devorados, e os seus ossos já brilhavam ao luar.Antes de perder a consciência,
porém, ela viu um cão arrancar-lhe as bochechas e os lábios. A última coisa que
viu foi o interior da boca do cão, quando seu olho que ainda funcionava foi-lhe
arrancado e esmagado pelas mandíbulas poderosas do canídeo, explodindo em uma
poça de liquor transparente qual baba , escorrendo por entre os dentes dele.
A
última coisa que sentiu foi os cães bebendo o seu sangue quando sua veia carótida em seu pescoço foi destroçada,
e o pouco que ainda lhe restava de sangue jorrou.Finalmente, seu último pensamento,
enquanto o cão arrancava sua língua de sua boca e a engolia:
"-Finalmente
.Estou morta.Agora posso descansar..."
E
Ayumi morreu.
O
dia raiou e quando as pessoas começaram a andar pelas ruas, espantaram os cães
vadios e os corvos, e uma pequena multidão começou à se juntar em volta da
carcaça dela.Sobrara quase nada, apenas ossos, e um ou outro naco de carne ,
além dos pulmões e do coração,ainda intactos.Na cabeça, até o couro cabeludo
tinha sido arrancado, e os cabelos dela estavam jogados num canto.Boa parte do
crânio dela aparecia, mas ,apesar do nariz arrancado, ainda era possível ter
alguma noção de como tinha sido o rosto dela.
Izanami
saiu da casa e pegou um táxi.Viu pela janela, por entre a multidão, a carcaça de
sua sobrinha, toda destroçada, há apenas três quarteirões da casa,mas seu olhar
era frio, cruel, impassível,mesmo sabendo, ou até mesmo por isto,que aquele
corpo era da sua sobrinha.Seu pensamento foi:
"-Bem
feito.Ela teve o que merecia.Foi pouco !"
E ela sorriu, para depois gargalhar numa risada maléfica !
Ela sentia enorme prazer e alegria no que tinha feito e estava tremendamente satisfeita com o trágico destino de sua sobrinha...
E
ela foi para a casa de Maki.
Por
falar nisto, aquela casa estava agitada:
Maki
e Hideo, namorando muito, trocando amabilidades entre si na mesa da copa.Kuome
abraçadinha e aos beijos com Midori, e Kaede de cara absolutamente fechada com
Tetsuo,furiosa, após a briga homérica que tiveram durante a madrugada.Kaede
estava num mau humor terrível, contrastando com a alegria e o amor dos demais
casais na mesa.Tetsuo estava tão deprimido que nem ofereceu carona para os
casais, e foi sózinho para a escola.Não demorou, Maki, Kuome, Midori e Hideo
estavam indo estudar também.
Kaede
estava já de saída, quando um táxi
deixou Izanami na porta da casa.
-Pois
não?
-Aqui
é a casa dos Amagawa, não?
-Sim,
eu sou Kaede Amagawa, no que posso lhe ajudar?
-Eu
sou tia de uma colega de sua filha Maki, e preciso ter uma conversa muito séria
com você.
-Pois
não, entre por favor.
Izanami
explicou, na versão dela os motivos de sua vinda.
-Por
favor, quero pedir perdão para sua filha, por todo o mal que minha sobrinha fêz
à ela. E ao namorado dela, Hideo, se não me engano, também!
-A
Maki-san e o Hideo-san não estão.Foram para a escola.Aliás, acabaram se sair, se
corrermos ainda os alcançaremos no caminho.A senhora quer ir comigo?
-Pois
não,obrigada.
Kaede
e Izanami entraram no Honda Civic na garagem e foram em direção à escola. No
meio do caminho acharam Maki e Hideo, os colocaram no carro e voltaram para
casa.
Ao
chegar lá,Izanami se ajoelhou perante Maki, e pediu perdão, abaixando o tronco
até o chão, com os braços esticados e as mãos espalmadas juntas.
-Imagine, Izanami-sempai,fique tranquila, eu já perdoei
a Ayumi-san.Não há o que perdoar!
-A
senhorita é muito generosa, Maki-san, obrigada.Mas estou profundamente
envergonhada pelos atos imorais e irresponsáveis da minha sobrinha, que
envergonharam o nome da minha família e o desonraram!
-Ah,
Izanami-sempai, eu acho que a senhora está exagerando, já passou...
-A
Maki-san só tem quatorze anos, é incapaz de compreender conceitos como honra ,
Izanami-sempai.Disse Kaede.
-Entendo.
Mas ao menos minha obrigação está cumprida.Gostaria de lhes assegurar que minha
sobrinha foi severamente punida.Eu a chicoteei o quanto pude, e a expulsei de
casa.Hoje cedo ela estava no meio da rua,devorada viva por cães e corvos, ela
está morta, e assim, o nome da minha família tem sua honra restaurada. É como se
ela nunca tivesse sido parte da família!
Kaede,
Maki e Hideo ficam aterrados, pasmos, passados,mal podiam acreditar nas
palavras hediondas daquela mulher!
-Que...horror
!Balbuciou Kaede, ainda impressionada!
Maki
começou à chorar,em pânico.Ela começou a tremer de nervosa,e o desespero veio
às suas faces só de imaginar Ayumi sendo chicoteada e depois devorada viva por
cães de corvos!
-Nãaaaaaao
! Não precisava matá-la ! Assassina ! Assassina ! Fora daqui
sua...sua...assassina !
Ela
começou a berrar, explodindo em lágrimas,ainda ajoelhada no chão,as mãos no
rostos escondendo o ríctus do horror de suas faces conturbadas!
-A
Maki-san tem razão, Izanami-sempai.Não havia necessidade de um castigo tão
terrível assim!
Disse,
corajosamente, por entre lágrimas, Hideo.
-Ela
mereceu ! E depois, não fui eu quem a matou, foram os cães!E vocês dois são muito jovens, ingênuos e inocentes para entender o que é Honra, então não tem o direito de criticarem coisas que voc~es não sabem o que é, continuem a serem crianças e deixem as coisas sérias para os adultos, entenderam?
Kaede
enxugou suas próprias lágrimas,e se recompondo com esfôrço,declarou:
-Eles
tem razão sim, Izanami-sempai.Em última análise foi a senhora a culpada pela
morte de sua sobrinha, pois se ela não estivesse tão ferida como provávelmente
ficou, não teria morrido miserávelmente desta maneira tão cruel.Me desculpe,
mas vou ter de chamar a Polícia!
Maki
estava histérica e começou a bater com os punhos sem parar no peito de Izanami,
que continuou fria como gêlo.
-Então
chame.Sou uma mulher responsável e honrada , que assume as consequencias de
seus atos.Fiz o que a tradição, a honra e a decência mandam,fiz o que tinha de
fazer,Ayumi mereceu, fêz por merecer,e não me arrependo de tê-la punido, pois
fiz o que minha consciência mandou, estou em paz com minha consciência,foi bem
feito para ela,minha honra e honestidade permanecem intocadas e meu caráter,
reto e inabalável, pois tenho a certeza de que fiz o certo.E faria de novo, se
fosse o caso.Sem remorsos.Não tenho vergonha do que fiz, pelo contrário, tenho
orgulho !
-A...a
senhora é fria, é cruel, como pode colocar a Honra acima da vida humana?
-Kaede-san,a
filosofia japonesa é clara: o indivíduo não é nada, a sociedade é tudo, e se o
indivíduo não é útil à sociedade ou a prejudica, ele simplesmente não precisa
existir.Não precisamos de indivíduos inúteis na sociedade!
-A
senhora é um monstro! Não tem coração! Fora daqui ! Fora daqui ! Fora ! Fora!
Gritava
Maki furiosa e fora de si.
Mas
Izanami continuava com sua pose elegante, dominadora, pomposa, orgulhosa e
arrogante.
-Hideo,
por favor, ligue para a Akane-san, e peça para ela prender esta assassina
confessa!
Disse Kaede, estupefata e revoltada com a crueldade daquela mulher !
Hideo
obedeceu.Akane tinha sido acordada logo cedo para investigar o caso de Ayumi, e
veio imediatamente.Izanami estava do lado de fora da casa, esperando altiva e
orgulhosa.
-Eu
formalmente acuso, na condição de testemunha de confissão, a senhora Izanami de
ter assassinado sua sobrinha Ayumi, com requintes de crueldade!
Disse
friamente Kaede, para Akane, quando esta chegou.
-Senhora
Izanami, a senhora está presa em nome da Lei.Queira por favor estender seu
braços para que eu possa algemá-la.
Izanami
obedeceu, e entrou no carro de polícia.Akane abraçou Maki, que não parava de
chorar.Depois entrou na viatura e levou
a criminosa para a delegacia.
Hideo
ficou tentando consolar Maki, e ambos voltaram para o quarto deles e lá se
trancaram.
Kaede
ligou para Tetsuo, e coincidentemente, aquele era o dia em que a primeira aula
da classe de Maki era a dele.Depois de escutar atentamente e ficar horrorizado
com o que ouviu, ele desligou o celular, e falou para a classe:
-É
com dor que informo à vocês, e a colega de vocês, desta classe, Ayumi-san,
acaba de falecer horrívelmente, bárbaramente assassinada pela tia dela, ré
confessa.Estão todos dispensados e vou falar agora com o Diretor, para declarar
hoje com Dia de Luto Oficial.Devo dizer que por isto mesmo, os colegas de
vocês, Maki-chan e Hideo-chan, não virão às aulas hoje.
A
classe emudeceu.Muita gente pasma,mal acreditando no que ouvia!A comoção foi
geral !
Tetsuo
saiu da classe e foi para a sala do Diretor.
Imediatamente
as aulas na escola inteira foram suspensas e os alunos dispensados.
Enquanto
isto,Kaede seguia com seu carro para o hospital, para buscar Shinji.
Enquanto
ia dirigindo, na volta, ela ia contando para o marido tudo o que ocorrera em
sua ausência, menos, é claro, seu envolvimento emocional e sexual com Tetsuo.
Shinji
escutava tudo calado.
Ao
chegar em casa, ele trocou de roupas, e sentou-se na sua poltrona como sempre
fazia, lendo o jornal, fumando cachimbo e tomando uma taça de vinho.
Foi
quando Maki, finalmente recomposta do trauma da morte de sua colega e
rival,desceu as escadas para apresentar Hideo para Shinji.
Kaede
estava ao lado dela para servir docinhos ao marido, quando a loquaz Maki
começou a falar sem parar da festa do dia anterior.
Shinji
parecia querer ignorá-los e fazer de conta que eles não existiam.
Até
que Maki falou demais, e contou das disputas de Kaede, Akane e Natsume por Tetsuo.E contou todas as traições de Kaede que sabia !
Kaede
ficou pálida como cera, e tremia tanto que deixou cair a bandeja com os
docinhos.
Shinji
levantou-se de repente da poltrona,deixou o jornal cair no chão, e olhou para
Kaede com olhar de fera.
-Vamos
para o nosso quarto, Kaede-san!E vocês dois, me dêem licença!Anda!Saiam de
perto de mim, parasitas inúteis ! Agora !
Maki
ficou chocada com a rispidez de Shinji, e Hideo, sem dizer palavras, a tirou do
caminho do idoso.Shinji pegou sua bengala de ponteira de prata e com ela
empurrou as costas de Kaede, que mal conseguia se manter em pé , de tão nervosa
que estava.As lágrimas já lhe corriam as faces e suas pernas tremiam a ponto de doer !
A
porta do quarto deles se fechou.
Enquanto
isto, Katashi já estava na porta da escola de Emi.Mas ela estava vazia, e uma
placa de aviso dizia: "Fechada por luto."
Nervoso,
ele decidiu que voltaria no dia seguinte.Não sossegaria até encontrá-la!
Ayumi
já estava morta- mas seu irmão já ficara sabendo, e já tensionava fugir e se
vingar de sua tia pela morte da irmã que ele amava!
(por continuar)
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