Heutt
Heutt era um cão gigantesco.Não se sabia
exatamente qual a sua raça, mas seu aspecto era sem duvidas peculiarmente ameaçador.
Todo branco, focinho curto, bochechas caídas,
nada disto o faria parecer um cachorro de guarda se o seu olhar-oh,sim, aquele
olhar!- O seu olhar de fera, severo, circunspecto, de uma terrível certeza de
superioridade, não o denunciasse.
Seu pelo sedoso e algo longo formava uma
discreta juba ao longo do pescoço, como nos lobos.
Mas era talvez o maior cão já produzido
pela natureza : por baixo daquela pelagem vistosa, dezenas e dezenas de quilos
do mais puro músculo se escondiam!
Naquela mesma manha fresca de primavera,
sua dona, a Madame, o aguardava nos jardins de sua casa.Tinha-o desde filhote,
e aos quatro meses entregou-o ao treinador, Franz Hiller.
Ele era um severíssimo austríaco, quase
temerário, e seu rigor com os cães era o mesmo que norteava sua vida, maior
mesmo do que o usual de se ver em militares.
Quando recebeu Heutt, logo percebeu que
este era especial, superior, e que deveria ter um tratamento a altura. Se com
os cachorros comuns fazia coisas que ate os militares não teriam tido coragem
de fazer, com Heutt foi muito pior. Este cão agora era adulto, sem conhecer
qualquer prazer na vida, só a obediência cega, obstinada e demente.
-Frau...
-Não me chame de Frau, Monsieur Hiller.Sou
francesa e gosto que assim me tratem!
-Como queira, Madame. Heutt já esta
treinado e o entrego agora. Sua obediência não tem limites. E é muito bem
comportado.
-Não teria assim tanta certeza, Monsieur.
Veja o olhar que ele lhe dirige!
-Ah, sim, Madame, tem de encará-lo com
muita severidade. Jamais recue diante dele ou ele a destruirá. Este foi o cão
mais difícil de treinar que já tive nas mãos, mas eu o conquistei!
-Tem certeza? Ou ele o teria treinado? Vocês
dois estão...
Ela parou de falar assim que percebeu a
crueldade temível no olhar daquele cachorrão pavoroso,olhar que ele lançara
agora ao seu treinador,um olhar tão assustador, que o próprio Franz percebeu, e
cometeu um erro terrível:recuou um passo!
O olhar gélido como a própria morte agora
cortava qualquer tentativa de seu treinador de lançar-lhe um olhar que tentasse
dominar o seu.Não havia, na expressão demoniacamente calma daquela fera nada
que detivesse seu poderio, sua superioridade,impossível a qualquer ser humano
que fosse dominar aquele olhar insuportável de sustentar, e a cada segundo, era
ainda mais imperativo e dominante!
Heutt então levantou-se e deu um passo a
frente, rumo ao seu treinador.
Franz acabou recuando mais um passo.E Heutt
avançou mai dois.Heutt abriu a boca:parecia que tudo tinha acontecido em milissegundos ,como em um turbilhão:a dentuça
alva,com seus caninos de doze centímetros,o arreganho,o rugido .
As mandíbulas curtas e quadradas se abriram
e fecharam-se logo depois em volta do pescoço,que,quebrado,explodiu em sangue!
Heutt olhou para a Madame.Uma boca babosa
de sangue ainda fresco avançou sobre ela,já desmaiada no jardim de sua mansão
naquela pequena cidade do interior da
Inglaterra,onde um dia morou.Heutt sentou-se,após matar também sua
dona,feliz e superior, e sua cauda abanava jovial e alegremente sob o Sol...
FIM
Cristiano Camargo
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