terça-feira, 5 de agosto de 2014

Conto: Heutt




Heutt


Heutt era um cão gigantesco.Não se sabia exatamente qual a sua raça, mas seu aspecto era sem duvidas peculiarmente ameaçador.
Todo branco, focinho curto, bochechas caídas, nada disto o faria parecer um cachorro de guarda se o seu olhar-oh,sim, aquele olhar!- O seu olhar de fera, severo, circunspecto, de uma terrível certeza de superioridade, não o denunciasse.
Seu pelo sedoso e algo longo formava uma discreta juba ao longo do pescoço, como nos lobos.
Mas era talvez o maior cão já produzido pela natureza : por baixo daquela pelagem vistosa, dezenas e dezenas de quilos do mais puro músculo se escondiam!

Naquela mesma manha fresca de primavera, sua dona, a Madame, o aguardava nos jardins de sua casa.Tinha-o desde filhote, e aos quatro meses entregou-o ao treinador, Franz Hiller.
Ele era um severíssimo austríaco, quase temerário, e seu rigor com os cães era o mesmo que norteava sua vida, maior mesmo do que o usual de se ver em militares.
Quando recebeu Heutt, logo percebeu que este era especial, superior, e que deveria ter um tratamento a altura. Se com os cachorros comuns fazia coisas que ate os militares não teriam tido coragem de fazer, com Heutt foi muito pior. Este cão agora era adulto, sem conhecer qualquer prazer na vida, só a obediência cega, obstinada e demente.

-Frau...

-Não me chame de Frau, Monsieur Hiller.Sou francesa e gosto que assim me tratem!
-Como queira, Madame. Heutt já esta treinado e o entrego agora. Sua obediência não tem limites. E é muito bem comportado.
-Não teria assim tanta certeza, Monsieur. Veja o olhar que ele lhe dirige!
-Ah, sim, Madame, tem de encará-lo com muita severidade. Jamais recue diante dele ou ele a destruirá. Este foi o cão mais difícil de treinar que já tive nas mãos, mas eu o conquistei!
-Tem certeza? Ou ele o teria treinado? Vocês dois estão...
Ela parou de falar assim que percebeu a crueldade temível no olhar daquele cachorrão pavoroso,olhar que ele lançara agora ao seu treinador,um olhar tão assustador, que o próprio Franz percebeu, e cometeu um erro terrível:recuou um passo!

O olhar gélido como a própria morte agora cortava qualquer tentativa de seu treinador de lançar-lhe um olhar que tentasse dominar o seu.Não havia, na expressão demoniacamente calma daquela fera nada que detivesse seu poderio, sua superioridade,impossível a qualquer ser humano que fosse dominar aquele olhar insuportável de sustentar, e a cada segundo, era ainda mais imperativo e dominante!
Heutt então levantou-se e deu um passo a frente, rumo ao seu treinador.
Franz acabou recuando mais um passo.E Heutt avançou mai dois.Heutt abriu a boca:parecia que tudo tinha acontecido em  milissegundos ,como em um turbilhão:a dentuça alva,com seus caninos de doze centímetros,o arreganho,o rugido .
As mandíbulas curtas e quadradas se abriram e fecharam-se logo depois em volta do pescoço,que,quebrado,explodiu em sangue!
Heutt olhou para a Madame.Uma boca babosa de sangue ainda fresco avançou sobre ela,já desmaiada no jardim de sua mansão naquela pequena cidade do interior da  Inglaterra,onde um dia morou.Heutt sentou-se,após matar também sua dona,feliz e superior, e sua cauda abanava jovial e alegremente sob o Sol...

                                FIM

Cristiano Camargo

 




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