terça-feira, 5 de agosto de 2014

Sensibilidade de Viver Oriegens Episódio 13





Ao sentar-se na velha poltrona reclinável de couro, que Kazuo gostava de se sentar para ler jornal,  notou na mesinha ao lado, o velho e elegante cachimbo dele, que ele tanto gostava de fumar. Desde criança ela se lembrava do pai gordo e barbudo, com seu roupão escuro e chinelões, fumando seu cachimbo e lendo o jornal enquanto ouvia "Aria na Corda Sol ", de Bach.
Ela achou o CD e colocou a música para tocar. Ela se levantou da poltrona e ficou olhando para ela, sentindo que ela nunca estivera assim tão vazia. Ela não queria, mas lágrimas irromperam de seus olhos, eram as saudades que lhe calavam fundo e rasgavam sua alma como as garras de uma fera insaciável, que lhe torturava a mente com todas as cenas em que fora ríspida e arrogante para com Kazuo.A cena do cachorro no parque voltou, contra a sua vontade,que ela tentava a todo custo espantar da cabeça, mas uma miríade de angústias não deixava. Ela caiu ajoelhada em frente da poltrona com as mãos  no rosto e o que mais queria eram os afagos dele em seus cabelos e seu ombro forte.
Sua tristeza explodiu sem controle e ela não sabia o que pensar!
Depois de algum tempo resolveu sair dali, resolveu fugir dali, não queria mais se lembrar de mais nada! Ela não se reconhecia naquelas fotos- aquela menininha feliz e inocente não era ela, não poderia ser, como ela poderia ter mudado tanto assim?Era inaceitável, era sofrido demais, em que ela tinha se tornado?
Como ela poderia enfrentar tudo aquilo?
Mas não havia para onde fugir. Tudo naquela casa lembrava seus pais e seus irmãos, e os retratos que ela solenemente ignorou por completo uma vida inteira pareciam persegui-la e estavam por todo lado- de repente, nem ela mesma sabia se os retratos que via eram verdadeiros ou se era a sua mente fabricando tudo quilo para culpá-la.
Culpa ! Sim,   a tonitruante culpa que atiçava seus arrependimentos, que como adagas cruéis trespassavam seu coração em chamas, queimando no inferno dos suplícios das omissões de toda uma vida deixada para trás!
O que deixara de aproveitar na sua vida?
Ó insanidade pérfida que é a ignorãncia do ostracismo auto- relegado,que a falta de experiência de vida lhe roubava !
Ela não se perdoava por não saber e mais ainda por ter consciência de que não tinha como saber sozinha, e os grilhões da dependência pareciam estar fixados em seus tornozelos e suas pernas se arrastavam...
Tal como o fantasma com que se via, também fantasmas eram aquelas imagens de seus entes queridos, que a pareciam perseguir e insistir em lhe gritar:
-Ausente ! Ausente !
Lune tapava os ouvidos os prantos e queria correr, mas não conseguia. Chegou na  cozinha novamente e o bilhete do bolo estava caído no chão defronte a geladeira.
Só então ergueu os olhos e viu o retrato da mãe com ela ainda bebê na geladeira.
Ela sempre passava ali a vida inteira e nunca tinha visto este retrato!
Ela o tirou do imã que o segurava na porta da geladeira e se sentou no chão, no tapete com a mesinha baixa onde as refeições eram servidas.Virou o retrato do lado oposto, não queria ver aquilo, queria rejeitar sua infância, a família, todas as lembranças!
Mas havia um recado escrito atrás daquela velha foto esmaecida com o tempo:
"10 de Abril de 1988:
Nasceu minha amada filha Lune ! Estou tão feliz!Minha primeira filha!Como me esquecer, quando o Kazuo a ergueu no ar e a tirou dos meu braços e disse:Querida Lune, seu pai está aqui para te amar, te proteger e te educar, e nunca lhe faltará? Foi tanta emoção nunca mais esqueci...te amo, minha filha ! Momiji Tamasuki"
Na hora voltaram-lhe as cenas de sua briga com sua mãe, e quando se dera conta, suas lágrimas encharcavam a foto e seu dedo acariciava a figura de sua mãe...
Repentinmente surgiu um grande vazio dentro dela e uma enorme vontade de abraçar e acariciar a todos, a família inteira...e ela chorou, chorou intensamente !
Só então , depois de muito pranto,se lembrou que era hora de fazer o almoço, tratou de esquentar a sopa que Momiji deixara na geladeira, já pronta, para esquentar  no micro ondas e dar ao Otaru.
Também esquentou um pedaço de pizza que sobrou do jantar.
Ao subir para o quarto de Otaru, com a bandeja nas mãos, deixou-a na cama e abraçou seu irmão como nunca fizera na vida antes.Comprimiu a cabeça dele contra seus seios e agora não sentia vergonha alguma.Fazia carinhos na cabeça dele e então beijou sua testa.
-Oh, está parecendo a mamãe...Lune-san, como você mudou...
-Eu vou te servir a sopa quentinha, está bem, Otaru?Abra a boca, olha o aviãozinho...
Disse Lune, com a colher de sopa na mão esquerda, já que ela era canhota.
-Eu não sou mais criança para isto !
=Ah, é que estamos brincando de mamãe e filhinho, vamos ,Otaru, eu gosto tanto de você...
Disse Lune com uma voz doce e carinhosa e lançou a ele seu olhar mais meigo.
O menino sorriu e abriu a boca e ela lhe serviu.
-Muito bem, comeu tudo !Menino bonzinho !
E Lune o abraçou de novo.
Ela na verdade estava carente, e expressando nele a vontade que tinha de abraçar e acarinhar os pais e a irmã.Mas então notou que ele estava quente e suando gelado.
Mais que depressa, ela pegou o termômetro de novo e colocou nele. Depois de alguns minutos, olhou:trinta e nove  vírgula seis graus !
Alarmada e aflita, lembrou-se de que se o remédio não funcionasse, teria de levá-lo a tomar banho.
-Otaru, vá para o banho, vamos , eu te levo até o banheiro.
-Eu não consigo, eu estou muito fraco...
Lune não teve dúvidas: carregou o menino nos braços e o levou ao banheiro do corredor.
-Eu vou te dar banho então ! Pode deixar comigo !
-Não, eu tenho vergonha !Nem a mamãe faz isto...
-Mas esta faz !
E Lune despiu o menino e o colocou na banheira, já na temperatura certa.
Ela no entanto estava corada de vergonha. Era a primeira vez na vida que via um menino nu.
Ela lavou as costas , os ombros, braço ,barriga e cabelo dele, e depois perguntou:
-O resto você consegue lavar sozinho?
O garoto, tão vermelho de vergonha quanto ela, fez um sinal de "sim" com a cabeça e Lune virou-se de costas para ele.
Banho tomado, ela o enxugou e o levou de volta ao quarto envolto na toalha, e lhe deu um novo pijama para vestir.Mediu a temperatura, que agora abaixara mais de um grau.Ainda assim, ela buscou outro remédio para ele e saiu do quarto, aliviada.
Passando em frente do quarto da Ruri, decidiu entrar.
Ela nunca em sua vida havia entrado naquele quarto. E viu quantas fotos de infância das duas irmãs juntas Ruri tinha!
Olhou nos armários das irmãs, cheirou suas roupas, colocou um pouco do perfume dela no pulso, e ao abrir a gaveta da cômoda, qual não foi sua surpresa ao ver um embrulho grande, com um bilhete em cima, escrito:"Para Lune, com carinho !"
Ao abrir o pacote viu uma bolsa de couro marrom,simples, mas elegante.Lembrou-se então que há muito Ruri e Momiji insistiam que ela tinha de ter uma bolsa, que toda mulher tinha e ela tinha de ter também.
-Ruri...Ai,Ruri-nee-chan...por que você faz isto comigo, onee-chan...você me fez chorar, sua boba...que linda, adorei, adorei, obrigada, queria tanto que você estivesse aqui para te abraçar !Você me ama tanto e nunca te dei valor, mas eu também te amo, irmãzinha querida !Desculpe, desculpe, me perdoooooaaaaa....
A voz alta de Lune soou em tom carinhoso e soluçante em meio a lágrimas abundantes imersas em profundo arrependimento e culpa, e ela abraçou a bolsa como se abraçasse a própria irmã.
Espalhou os retratos na cama e ficou olhando, e velhas lembranças de um passado distante que julgava perdido para sempre voltavam à sua memória...

(por continuar)

Nenhum comentário:

Postar um comentário